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terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Reconstituição das rotas dos nómades do Paleolítico no vale de Lemos (Galiza)


Biface acheulense de Monforte (foto Alberto López)
Na primavera boreal de 2006 começou a se desenvolver o projeto arqueológico Ocupações humanas durante o Pleistoceno da bacia média do Minho, o programa de investigação das jazidas do Paleolítico mais longo e sistemático empreendido até agora na Galiza. O projeto é coordenado pela Universidade de Santiago de Compostela e conta com a colaboração de cientistas do Instituto Catalão de Paleoecologia Humana e outras instituições. O plano arqueológico foi posto em andamento depois de o pesquisador amador José Antonio Peña Alonso, vizinho de Monforte de Lemos, ter descoberto nos arredores da cidade um grande número de artefatos líticos espalhados pelo campo em diferentes locais. Os primeiros trabalhos enquadrados neste programa consistiram em prospecções arqueológicas de superfície que tinham por objetivo localizar jazidas ao ar livre na depressão de Monforte, a área mais baixa do vale de Lemos. As pesquisas estenderam-se  também para algumas áreas dos municípios vizinhos de Sober, O Savinhão e Bóveda.


Sondagem arqueológica em Monforte (foto Alberto López - La Voz de Galicia)
Nos anos seguintes, em uma série de prospecções e sondagens, os arqueólogos descobriram numerosos conjuntos de indústrias líticas em cerca de uma centena de locais espalhados por todo o território do vale de Lemos, principalmente na depressão de Monforte. Entre estes materiais há indústrias pertencentes aos três grandes períodos culturais do Paleolítico: Inferior, Médio e Superior. Estes achados constituem a maior concentração de sítios arqueológicos de diferentes períodos da pré-história remota encontrada até agora na Galiza e também a mais ampla seqüência de povoamentos paleolíticos ao ar livre conhecida no noroeste da Ibéria.

Principais vias de trânsito durante o Paleolítico no noroeste ibérico (fonte: To the West of Spanish Cantabria)
 As pesquisas realizadas na área desde 2006 sugerem que a presença dessas jazidas está relacionada com o papel fulcral que parece ter desempenhado o vale de Lemos nos movimentos dos grupos nômades de caçadores-coletores do Paleolítico no noroeste da península. Um estudo publicado em 2011 no livro To the West of Spanish Cantabria apresenta uma hipótese segundo a qual este território constituiu um importante cruzamento de caminhos durante o Pleistoceno Médio e o Pleistoceno Superior. Conforme indicam os estudos realizados com ferramentas SIG sobre as rotas naturais com menor custo do noroeste da península, a depressão de Monforte está estrategicamente localizada na entrada dos corredores provenientes da parte ocidental da Meseta Central ibérica e funciona como um ponto nodal a partir do qual múltiplos caminhos divergem em diferentes direções. Esta condição de encruzilhada explica-se pela singular situação geográfica do território. De um lado, o vale de Lemos, com uma altitude média de 290 metros acima do nível do mar, está emoldurado pelos principais sistemas fluviais do noroeste ibérico, os dos rios Minho e Sil, que em grande parte condicionam as vias naturais de trânsito em toda a região. Ambos os rios fluem ao longo de vales profundos que seguem o curso de antigas falhas tectônicas abertas em áreas onde predominam as superfícies de granito e que impedem o acesso às zonas ocidental e setentrional do território galego.
 
Biface da Piteira (Museu Arq. de Ourense)


O vale do Minho funciona como um caminho natural que conecta diretamente esta região do interior com a costa do Oceano Atlântico. Seguindo o curso do rio, em torno da cidade de Ourense, existe um notável conjunto de jazidas do Paleolítico Inferior ao ar livre, situadas nas localidades de Pazos, A Piteira e A Chaira. Outras evidências arqueológicas deste período foram descobertas em torno do curso baixo do Minho, no sudoeste da Galiza, nas jazidas de Porto Maior e Gândaras de Budinho e em alguns terraços fluviais perto da foz do rio. Também foi registada a presença de indústrias do Paleolítico na costa de Portugal –no concelho de Caminha–, muito perto desta zona. 



 
Prospecção arqueológica em Quiroga (foto Alberto López - La Voz de Galicia)
O vale do Sil é outro grande corredor que liga o interior da Galiza com a parte ocidental da Meseta Central. No setor oriental deste vale fluvial registaram-se alguns achados isolados de artefatos líticos, no concelho de Quiroga e na comarca de Valdeorras. Há também registros de indústrias do Paleolítico a oeste da Meseta, em diversas áreas localizadas ao longo desta via natural. Em jazidas superficiais sitas nos terraços fluviais do rio Bernesga foram encontrados artefatos que apresentam semelhanças com as indústrias do Paleolítico Inferior do vale de Lemos. O Sil constitui aliás uma importante barreira natural que corta o acesso às regiões ocidentais da Galiza, pois corre por canhões profundos em grande parte do seu curso. A área de confluência com o rio Lor –tributário do Sil– e a borda oriental do vale de Lemos, onde as encostas são muito menos pronunciadas, oferecem uma via alternativa que permite ultrapassar este obstáculo. Outro corredor natural sobe do Vale do Douro –em Portugal–, cruzando as depressões de Verim e Maceda, e permite atravessar o Sil por algumas passagens estratégicas situadas a sul de Monforte de Lemos.

Escavações na caverna da Valinha (foto César Llana)
Os pesquisadores apontam, além disso, que a depressão de Monforte está situada no limiar de um corredor formado por uma série de bacias de origem terciária que corre em direção norte-sul entre as serras orientais da Galiza e as peneplanícies graníticas do interior. Esta outra via natural conduz ao litoral do mar Cantábrico. Ao longo deste corredor encontram-se várias jazidas do Paleolítico Superior, entre as quais se destacam as do monte de Valverde (Monforte de Lemos) e da caverna da Valinha (concelho de Castroverde). Vestígios arqueológicos importantes do mesmo período também são conhecidos em vales próximos a este corredor natural, como as jazidas de Cova Eirós (concelho de Triacastela) e de alguns abrigos rochosos na zona do Valadouro. Na costa cantábrica existem diversas jazidas do Paleolítico que igualmente podem estar relacionadas com esta rota, como Louselas (concelho de Ribadeo, Galiza), Cabo Busto, Bañugues e Paredes (Astúrias). Outra via natural pode ter comunicado a depressão de Monforte com o vale do rio Ulha, passando pelo extremo norte da Serra do Faro. Porém, até agora só é conhecida uma jazida do Paleolítico Inferior que pode estar vinculada a este corredor. Foi descoberta em 2008 na aldeia de Pedras, localizada em uma pequena bacia do concelho do Savinhão, a dois quilômetros do curso do Minho.

Indústria lítica de Monforte (foto Alberto López - La Voz de Galicia)
Essa condição de encruzilhada do vale de Lemos parece ter persistido até nos períodos mais frios do Pleistoceno, quando grandes regiões da península e da Europa ficaram despovoadas. Estudos geomorfológicos e paleoclimáticos indicam que a depressão de Monforte e o vale do Sil, graças à sua baixa altitude, gozaram durante os períodos glaciais de umas condições climáticas menos rigorosas do que os territórios vizinhos, pelo qual poderiam ter servido como áreas de refúgio. A descoberta em Monforte de uma jazida do período Solutreano –a única conhecida até hoje na Galiza– prova que este território albergou grupos humanos durante o Último Máximo Glacial.
     A cronologia das ocupações humanas ao longo destas rotas naturais é por enquanto difícil de estabelecer, devido à falta de datações absolutas. Os vestígios arqueológicos encontrados nesses corredores são jazidas de superfície, descontextualizadas e desprovidas de fósseis, o que não permite realizar datações radiométricas. As únicas indústrias do Paleolítico Inferior similares às da depressão de Monforte que foi possível datar no norte da península foram descobertas na jazida de Trinchera Galería, na Serra de Atapuerca, e atribui-se-lhes uma antiguidade de perto de 450.000 anos.


sábado, 29 de novembro de 2014

Parentesco genético entre os ursos das cavernas de Cova Eirós (Galiza) e a gruta de Chauvet (França)

Ursus spelaeus (Museu de Quiroga). Foto Alberto López - La Voz de Galicia

 As pesquisas sobre a fauna fóssil do Quaternário das serras orientais galegas que leva atualmente a cabo o Instituto de Geologia Isidro Parga Pondal, da Universidade da Corunha, puseram em relevo a existência de uma ligação genética entre as populações de urso das cavernas (Ursus spelaeus) da Galiza e da França. Mais especificamente, entre os ursos que viveram em determinadas épocas do Pleistoceno em Cova Eirós (Triacastela, província de Lugo) e a caverna de Chauvet (departamento de Ardèche). As análises de ADN fóssil provaram que estes animais pertenciam à mesma linhagem genética, apesar de terem vivido em áreas geográficas muito afastadas
                            .
Mandíbulas de Ursus spelaeus achadas em cavernas galegas
 Este relacionamento genético foi detetado em fósseis de urso das cavernas encontrados na jazida de Cova Eirós (que, de acordo com a datação por radiocarbono, têm uma antiguidade de entre 28.000 e 31.0000 anos) e outros fósseis de similar cronologia encontrados na caverna francesa.
    Os ursos de Cova Eirós mostram uma maior similitude genética com os da gruta de Chauvet do que com os fósseis descobertos em locais próximos das montanhas do leste da Galiza, como as cavernas de Linhares e Ceza (nas serras do Courel e Ancares), cuja idade oscila entre 38.000 e 48.000 anos. Por enquanto, porém, não é possível aprofundar muito neste estudo comparativo, porque na caverna de Chauvet, onde as condições de acesso são muito restritas, só se pôde extrair e analisar até agora um número muito reduzido de amostras de fósseis.


Distribuição geográfica do urso das cavernas
Os pesquisadores acreditam que a ligação genética entre os ursos de Cova Eirós e  Chauvet indica a existência de movimentos migratórios desta espécie entre o norte da Península Ibérica e outras regiões da Europa. Os ursos  deslocaram-se provavelmente do sul da França para a Galiza ao longo da faixa litoral do mar Cantábrico, seguindo uma rota que já foi constatada em outras espécies. Essas migrações parecem ter sido comuns nos períodos mais frios da última Idade Glacial, quando grandes áreas do continente estavam cobertas de gelo, o que obrigaria os animais de muitas espécies a migrar para o sul em busca de territórios mais aptos para a sobrevivência.

Reconstituição do Ursus spelaeus por Sergio de la Rosa
 Na jazida de Cova Eirós descobriram-se também fósseis de outras espécies, como o leão das cavernas, o urso pardo, o rinoceronte e o lince, além de veados, camurças e bovídeos. O local tornou-se particularmente conhecido nos últimos anos devido às importantes descobertas arqueológicas realizadas no quadro do projeto Ocupações humanas durante o Pleistoceno da bacia média do Minho. A caverna de Chauvet é um dos sítios arqueológicos mais importantes do Paleolítico europeu, devido principalmente ao fato de conter um dos conjuntos de pinturas rupestres mais antigos e ricos do mundo, e foi recentemente popularizada pelo filme de Werner Herzog Caverna dos sonhos esquecidos.



Fontes: Instituto Universitario de Geologia da Corunha, La Voz de Galicia

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Terceiro aniversário do único museu de geologia e paleontologia da Galiza

Representação da história geológica da Galiza no museu de Quiroga
  


Em 2 de dezembro de 2014 completa-se o terceiro ano sobre a abertura do museu de geologia e paleontologia de Quiroga, que era na altura –e continua a ser hoje– o único da Galiza no seu gênero. O centro foi criado por iniciativa da câmara municipal de Quiroga com o assessoramento científico do instituto geológico Isidro Parga Pondal, pertencente à Universidade da Corunha. 





 
Coleção de minerais do museu (Foto: Alberto López)

 Uma boa parte do museu está dedicada à divulgação do patrimonio geológico da Serra do Courel, que compreende uma das formações mais singulares da Península Ibérica –o sinclinal de Campodola-Leixazós–, numerosas cavernas cársticas e pegadas dos glaciares que existiram na zona durante a última Idade do Gelo. Nesta parte do museu exibe-se uma ampla coleção de minerais próprios da Serra do Courel, o vale de Quiroga e os territórios vizinhos.




Réplica de um esqueleto de Ursus spelaeus (Foto: Alberto López)
Outra seção, centrada na história paleontológica da região, alberga uma réplica em tamanho natural de um esqueleto de urso das cavernas (Ursus spelaeus) construída com ossos reais de diferentes exemplares fósseis. É a única reprodução completa de uma ossamenta desta espécie extinta que existe na Galiza e uma das muito poucas que é possível ver em todo o Estado espanhol.
   O museu conta igualmente com uma seção dedicada à história da evolução humana no noroeste ibérico e tem previsto exibir uma coleção de indústrias do Paleolítico Inferior que foram descobertas na zona em tempos recentes. Outra área do museu conta a longa história da atividade mineira da zona, onde em diversas épocas foram exploradas minas e pedreiras de ouro, ferro, antimônio e ardósia.

    O museu serve aliás de ponto de partida para visitar as paragens de maior interesse geológico da zona, como o sinclinal de Campodola –situado a nove quilómetros– e a lagoa glaciar da Lucenza.



terça-feira, 25 de novembro de 2014

Castro de Arxeriz, uma povoação da Idade do Ferro na Ribeira Sacra (Galiza)

O castro sobranceia o Cabo do Mundo, um meandro do rio Minho (Foto: C. Rueda)
Em agosto de 2013 começou a primeira campanha de escavações arqueológicas no castro de Arxeriz, uma povoação proto-histórica situada no concelho do Savinhão, na província galega de Lugo. O castro encontra-se em um terreno pertencente ao Ecomuseu de Arxeriz, criado e gerido pela Fundação Xosé Soto de Fión, uma entidade privada cujo intuito é estudar, conservar e divulgar o património etnográfico, histórico e arqueológico da Ribeira Sacra. O antigo assentamento foi construído em um promontório situado sobre a borda superior do vale do rio Minho, a uma altura de perto de quinhentos metros acima do nível do mar. 
 
Restos de edificações desenterradas no castro (Foto: Carlos Rueda)

Nas duas campanhas arqueológicas realizadas até agora no castro foram postos ao descoberto os restos de diversas construções. Entre elas há várias vivendas e o que se supõe ser um armazém de cereais. Nas escavações acharam-se também numerosos fragmentos de olaria, algumas peças de ourivesaria e utensílios de pedra (moinhos manuais, brunidores, pedras de amolar e fusaiolas). Os pesquisadores identificaram dois níveis arqueológicos diferentes, correspondentes a distintas ocupações que foram datadas provisoriamente de entre o século IV e o século I a.C. Até hoje não foi descoberto nenhum elemento arqueológico relacionado com a cultura romana, pelo qual se acredita que a povoação pôde ficar abandonada já antes da romanização do noroeste ibérico. 
 
Vista exterior da croa ou recinto central do castro (Foto: Carlos Rueda)
  
Os vestígios de estruturas construtivas desenterrados nas escavações foram consolidados para garantir a sua conservação. Os responsáveis pelo Ecomuseu de Arxeriz já abriram o sítio arqueológico às visitas turísticas. A sua intenção é mostrar aos visitantes todos os restos das antigas edificações do castro à medida que forem avançando as escavações.



Um moinho manual descoberto no castro (Foto: Carlos Rueda)
 As origens do castro de Arxeriz enquadram-se na civilização castreja que se desenvolveu no noroeste da Península Ibérica na Idade do Ferro, nos séculos que precederam à colonização romana. A área de expansão da cultura castreja abrange principalmente os territórios da Galiza e do norte de Portugal. No território galego conhecem-se centenas de assentamentos dessa época, que só em uma pequena medida foram objecto de pesquisas arqueológicas. Na Galiza são especialmente notáveis os castros de Santa Trega, Baronha e Viladonga (situado junto de um importante museu). Em Portugal, onde se conservam muitos monumentos desse período, é particularmente conhecida a citânia de Briteiros.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Baltasar Merino, um botânico nas florestas da Galiza

Baltasar Merino (1845 - 1917)

Natural de Lerma (província de Burgos, Espanha), o sacerdote jesuíta Baltasar Merino passou uma grande parte da sua vida na Galiza, onde desenvolveu um intenso labor em diversos campos científicos. Ingressou na Companhia de Jesus aos quinze anos de idade. Ao terminar seus estudos de filosofia, foi enviado à Havana, onde ensinou retórica durante três anos. Morou mais tarde em Baltimore (Maryland, Estados Unidos), onde estudou teologia. Após a ordenação, foi destinado ao seminário de Porto Rico, mas seus problemas de saúde impediram-no de seguir a viver na região antilhana. Foi então transferido para um colégio da vila da Guarda (provincia de Pontevedra), onde residiria até sua morte. Lá dedicou-se a ensinar química, física, meteorologia e botânica. Nestas duas últimas disciplinas científicas realizou importantes contributos como pesquisador.
 

Uma página da Flora descriptiva e ilustrada de Galicia, de Baltasar Merino

Merino é lembrado principalmente por suas pesquisas no campo da botânica. Durante anos percorreu sistematicamente o território galego para identificar e classificar numerosas espécies vegetais, muitas das quais foram catalogadas pela primeira vez por ele nesta zona geográfica. Entre 1905 e 1909 foi editada em três volumes sua obra mais importante, Flora descriptiva e ilustrada de Galicia. O Real Jardim Botânico de Madrid publicou uma edição digital íntegra desse extenso trabalho. A mesma instituição recuperou outros estudos de Merino sobre a flora galega: Algunas plantas raras que crecen espontáneamente en las cercanías de La Guardia (1895), Contribución a la flora de Galicia (1897-1904) e Adiciones a la flora de Galicia (1917).
 
Floresta da Devesa da Rogueira (Foto: Descubrelugo.com)

Entre os méritos científicos de Baltasar Merino figura o fato de ter sido o primeiro pesquisador que resaltou o excecional valor da floresta da Devesa da Rogueira, na Serra do Courel, hoje considerada como um dos mais importantes santuários da biodiversidade da Galiza. Neste espaço de apenas duzentas hectares de extensão, nas abas do monte Formigueiros (de 1.643 metros de altura), convivem centenas de espécies vegetais, entre as quais há muitas variedades que raro se encontram no noroeste da Península Ibérica. Merino descreveu-a como «aquela
 selva que, contando séculos de vida, conservava como novas as galas da sua primeira idade». Em 2010, a Universidade de Santiago de Compostela criou nas cercanias desta floresta a Estação Científica do Courel. Surpreendentemente, apesar de seu caráter único, o governo autônomo da Galiza nunca mostrou nenhum interesse pela conservação e proteção deste espaço natural.

sábado, 22 de junho de 2013

Bertrand du Guesclin, um efêmero conde bretão na Galiza




 As biografias de Bertrand du Guesclin (Beltram Gwesklin em bretão), chamado Águia da Bretanha e Dogo Negro da Brocelianda, não costumam mencionar o fato de que por um curto período, ao menos nominalmente, foi senhor de um dos mais importantes condados da Galiza medieval. Em 1366, Du Guesclin —um dos personagens mais célebres da Guerra dos Cem Anos— foi nomeado conde de Lemos, mas tudo indica que em nenhum momento chegou a governar o condado. Este pouco conhecido episódio é mencionado por alguns historiadores galegos, como Germán Vázquez e Eduardo Pardo de Guevara, quem o qualifica de «breve e confuso capítulo da história do condado de Lemos».


Fortaleza condal e mosteiro de Monforte de Lemos (Foto Alberto López)

A nomeação de Bertrand du Guesclin como conde de Lemos produziu-se no contexto de uma longa guerra civil entabulada no século XIV pela posse da coroa de Castela, à qual estava submetido o Reino da Galiza desde o reinado de Fernando III. A guerra enfrentava os partidários do rei Pedro I, o Cruel e de seu meio-irmão Henrique de Trastâmara. Este último, que acabou por ocupar o trono e reinou com o nome de Henrique II, teve um importante apoio nas tropas mercenárias de Du Guesclin, caraterizadas por uma grande eficácia militar e uma ferocidade extrema. Quando o caudilho bretão foi nomeado conde de Lemos, no entanto, não era o único que ostentava essa dignidade, e a guerra em que tomava parte estava longe de ser ganhada. Nesse mesmo ano, Pedro I outorgou o mesmo título (que ainda não era hereditário nessa altura) ao nobre galego Fernando Ruiz de Castro, um dos mais importantes partidários que teve ao longo do conflito. Fernando Ruiz de Castro era filho do anterior conde de Lemos —Pedro Fernández de Castro, chamado o da Guerra— e meio-irmão de Inês de Castro, a famosa rainha morta de Portugal. Sua ajuda foi especialmente útil a Pedro I quando se refugiou na Galiza depois de ser derrotado em Sevilha pelas tropas de Henrique e Bertrand du Guesclin.


Batalha de Nájera segundo uma miniatura das crónicas de Jean Froissart
  O curso da guerra, inicialmente favorável a Henrique de Trastâmara, pareceu mudar em 1367, quando Pedro desbaratou o exército do seu adversário na batalha de Nájera com o auxílio de tropas inglesas sob o comando do Príncipe Negro. Porém, o conflito deu mais tarde um novo giro e Henrique alcançou uma vitória definitiva em 1369 na batalha de Montiel. Depois de ser derrotado, ao que parece, Pedro I morreu em um forcejo com seu meio-irmão. A tradição diz que o próprio Bertrand du Guesclin ajudou Henrique no assassinato, segurando o vencido enquanto proferia uma frase que se tornaria um lugar-comum na língua espanhola: Ni quito ni pongo rey, pero ayudo a mi señor (Nem tiro nem ponho rei, mas ajudo meu senhor). Segundo outros testemunhos, quem ajudou Henrique a perpetrar o fratricídio foi o nobre galego Fernão Perez de Andrade. Após a derrota, Fernando Ruiz de Castro tentou de levantar na Galiza a resistência contra o novo rei. Mas por finais de 1370 Henrique enviou suas tropas para sufocar a rebelião e os mercenários de Du Guesclin assaltaram as fortalezas de Monforte de Lemos e Castro Caldelas. Fernando Ruiz de Castro foi vencido perto de Lugo por inícios de 1371. Du Guesclin voltou para o reino de França e não chegou a tomar posse do condado de Lemos. 

Batalha de Auray, na Guerra de Sucessão da Bretanha
Nascido em 1320 no castelo de La Motte-Broons, perto de Dinan, Bertrand du Guesclin pertencia à baixa nobreza bretã. Analfabeto e de caráter violento, destacou desde muito novo na carreira das armas. Começou tomando parte na Guerra de Sucessão da Bretanha (1341-1364) à frente de um exército de aventureiros e mercenários. Foi armado cavaleiro em 1357 e combateu ao serviço do rei francês Carlos V contra o monarca navarro Carlos II, o Mau. Ao terminar este conflito, as companhias que comandava subsistiram praticando a rapina. Carlos V desfez-se do problema enviando Du Guesclin a servir Henrique de Trastâmara na guerra civil castelhana. Quando o chefe mercenário voltou à França em 1370, foi nomeado condestável e continuou a participar em diversos conflitos bélicos, nomeadamente nas lutas para expulsar os ingleses dos domínios que detinham em território francês. Morreu em 1380, no cerco da fortaleza de Châteauneuf-de-Randon. 
   A estratégia militar de Bertrand du Guesclin caraterizou-se pelas táticas da guerra de atrito, a guerrilha e a terra arrasada. Na França foi tido tradicionalmente por um herói nacional. Muitos nacionalistas bretões, pelo contrário, consideraram-no um traidor por ter lutado ao serviço da coroa francesa contra a Bretanha, que era nessa época um ducado independente.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Cavernas no límite das geleiras da Serra do Courel (Galiza)

Exploração da caverna da Tara
Em 2009, o clube espeleológico Maúxo, com sede em Vigo, e o Instituto de Geologia Isidro Parga Pondal, da Universidade da Corunha, editaram a brochura As grandes covas do Courel, que recolhe pesquisas realizadas ao longo de quatro anos em diversas cavernas cársticas desta serra do leste da Galiza, caraterizada por uma grande diversidade geológica e biológica. A publicação descreve as principais caraterísticas de quatro cavernas calcárias: Arcóia, Pena Paleira, Rio Pérez e Tara. Todas elas encontram-se no límite das geleiras que existiram durante o Pleistoceno nas zonas mais altas da serra.


Concreções calcárias na caverna de Arcóia
O estudo científico destas cavidades, cuja formação está associada aos processos de drenagem das antigas massas de gelo, começou em tempos muito recentes. Algumas delas foram descobertas em 1993 e 2007. Na publicação catalogam-se os diversos tipos de espeleotemas que os espeleólogos e geólogos puderam observar neste conjunto de grutas: estalactites, estalagmites, antiestalagmites, helictites, escorrimentos, gours, calcitas flutuantes, coralóides...


Estalagmite de Arcóia (seção)
O Instituto de Geologia Isidro Parga Pondal, em colaboração com a universidade estadunidense da Geórgia, está a utilizar estalagmites extraídas da caverna de Arcóia em um projeto de investigação cujo fim é obter um registo dos climas pré-históricos das montahas da Galiza. Essa informação consegue-se analisando os isótopos de carbono e oxigênio que ficam encerrados no interior destes espeleotemas durante o seu lento processo de formação. Com esta técnica é possível determinar as condições de umidade e temperatura que se davam na região há milhares de anos. Em uma primeira tentativa obteve-se uma sequência de dados climáticos que se estende desde há 14.000 anos —por finais da última glaciação— até à época atual. Agora estão a realizar-se análises com um fragmento de uma estalagmite de maior tamanho, e portanto muito mais antiga, das quais se pretende extrair dados dos últimos 235.000 anos. Os pesquisadores já identificaram nesta estalagmite as pegadas de sete etapas bioclimáticas diferentes.

As geleiras pré-históricas deixaram muitas outras pegadas na Serra do Courel, como a lagoa de Lucenza, situada 1.400 metros acima do nível do mar.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

O primeiro mamute descoberto na Galiza (1961)

Dente molar do mamute de Buxán (Foto: Xoán A. Soler - La Voz de Galicia)
Em 1961 foram descobertos em uma pedreira do concelho do Íncio (província de Lugo) os primeiros restos fósseis de mamute encontrados na Galiza. O achado produziu-se de um modo fortuíto no lugar de Buxán, durante as tarefas de extração de rocha calcária para uma fábrica de cimento da antiga empresa Cementos del Noroeste, hoje pertencente à multinacional portuguesa Cimpor. Os restos apareceram misturados com argila no interior de uma fenda rochosa. O chefe da pedreira, Ramón Pedreño, compreendeu que deviam pertencer a uma espécie extinta de grande porte e comunicou a descoberta ao geólogo Isidro Parga Pondal, accionista da empresa cimenteira. Ao examinar as peças, o cientista constatou que se tratava de um conjunto de dentes e fragmentos de osso de um mamute.

Mammuthus primigenius - Ilustração de Mauricio Antón
Os restos fósseis achados na pedreira de Buxán consistem em um molar inferior direito quase inteiro, de 19,5 centímetros de comprimento e 14 de largura, e um pedaço de molar inferior esquerdo, de 8 centímetros de comprimento e 18 de largura. No local também apareceram duas vértebras fragmentadas, um pedaço de osso longo e pequenos fragmentos ósseos não identificados. No estudo das peças participou o paleontólogo Emiliano Aguirre, quem anos mais tarde seria o primeiro diretor das escavações das célebres jazidas paleolíticas da Serra de Atapuerca. Os pesquisadores  concluíram que os restos pertenciam a um mamute lanoso (Mammuthus primigenius). Desde então não se descobriram mais vestígios desta espécie na Galiza. O fóssil de Buxán continua sendo o animal de maior tamanho, de qualquer época, encontrado no noroeste da Península Ibérica.

Woolly mammoth: Secrets from the Ice (Documentário da BBC - 2012)
 Os restos do mamute de Buxán conservam-se no Museu de História Natural Luis Iglesias, pertencente à Universidade de Santiago de Compostela. Desconhece-se a sua antiguidade exacta, pois até agora não se realizou com eles uma datação radiométrica. Cabe supor, porém, que datam de um dos períodos mais frios do Pleistoceno. Um estudo publicado pelos paleontólogos Diego Álvarez-Lao e Nuria García na revista Quaternary Science Reviews explica que a presença de espécies como o mamute lanoso, o rinoceronte lanoso e a rena na Península Ibérica não foi constante, mas que se regista apenas nos episódios de frio más intenso da Idade do Gelo. Durante esses períodos, os animais adaptados ao clima glacial veriam-se obrigados a migrar para o sul para sobreviverem, pois as camadas de gelo que então cobriam vastas regiões do centro e do norte de Europa não lhes permitiam encontrar pastagens. No sul do continente conviveram com espécies como o veado, a corça e o javali, mais próprias dos climas temperados.

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Modesto Brocos, um pintor galego no Brasil

Engenho de mandioca, de Modesto Brocos, 1892 (Wikimedia Commons)








Em 1872 chegou pela primeira vez ao Brasil o pintor, gravador e desenhista Modesto Brocos, nascido em Santiago de Compostela (Galiza) em 1852. Era o irmão mais novo do escultor Isidoro Brocos, uma das figuras mais relevantes da arte galega contemporânea, professor de Pablo Picasso na Escola de Belas Artes da Corunha. Modesto Brocos recebeu de seu irmão as primeiras lições de desenho e com apenas 18 anos de idade emigrou para a Argentina, onde trabalhou como ilustrador para a revista Anales de Agricultura e outras publicações. Dois anos mais tarde estabeleceu-se no Rio de Janeiro. Durante a sua primeira estada no Brasil freqüentou como aluno livre a Academia Imperial de Belas Artes, foi discípulo dos artistas Vítor Meireles e João Zeferino da Costa e realizou xilogravuras para o periódico ilustrado O Mequetrefe.

Retrato da escritora galega Rosalia de Castro, por Brocos
Brocos retornou à Europa em 1877. No decurso dos seguintes anos residiu na França, na Espanha e na Itália. Em Paris foi aluno da Escola Nacional Superior de Belas-Artes, onde teve como condiscípulos os pintores Georges Seurat e Joaquín Sorolla. Em Madri estudou na Real Academia de Belas-Artes de São Fernando e em Roma, na Academia Chigi. Em 1890 voltou ao Rio de Janeiro e no ano seguinte, depois de adquirir a cidadania brasileira, foi nomeado professor da Escola Nacional de Belas Artes. Nesta mesma escola apresentou em 1892 uma exposição individual da qual fazia parte uma das suas mais célebres obras, o quadro Engenho de mandioca. Em 1895 foi apresentada outra das suas pinturas mais famosas, A Redenção de Cam, comentada elogiosamente pelo poeta Olavo Bilac. A obra ilustra a tese do branqueamento gradual da população negra, então promovida oficialmente no Brasil. Apesar das suas ideias políticas avançadas, Brocos não deixou de ver-se influído por esse ideal racista imperante na época, abraçado também por destacados intelectuais brasileiros como Euclides da Cunha ou Monteiro Lobato.  

Depois de uma nova estada na Espanha e na Itália, Brocos fixou-se definitivamente no Brasil em 1900. Ensinou na  Escola Nacional de Belas Artes e no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro, e deixou uma obra artística numerosa e variada, inspirada em grande parte em motivos característicos da sua pátria adotiva. Em 1915 editou o ensaio A questão do ensino de Belas Artes e em 1933 deu ao prelo o livro Retórica dos pintores, uma obra teórica que está a ser revalorizada na atualidade. Em 1930, seis anos antes da sua morte, publicou em espanhol o romance Viagem a Marte, uma peculiar obra de literatura utópica em que transparece uma ideologia próxima ao socialismo. Em 2007, o Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro dedicou-lhe a exposição Modesto Brocos, um estrangeiro nos trópicos.

sábado, 8 de junho de 2013

Morcegos da Galiza, um projeto de estudo e conservação dos quirópteros do noroeste ibérico

Morcego-de-ferradura-pequeno (Rhinolophus hipposideros)
 Em 2008, a associação conservacionista Drosera —criada na cidade de Lugo quatro anos atrás— pôs em andamento o programa Morcegos da Galiza, cuja finalidade é desenvolver pesquisas científicas sobre as populações de quirópteros do noroeste da Península Ibérica, promover iniciativas para a conservação destas espécies e levar a efeito campanhas de divulgação e sensibilização social acerca da sua importância ambiental, lutando contra os preconceitos e falsas crenças que os envolvem. O programa compreende a realização do Atlas de Morcegos da Galiza, o censo mais completo e atualizado das diferentes espécies de quirópteros presentes no território galego. Os pesquisadores de Drosera, com o apoio de observadores voluntários, catalogaram até hoje 24 espécies de morcegos nesta área geográfica. Dentro do mesmo programa começou a se celebrar na Galiza a Noite Europeia dos Morcegos, um evento internacional que compreende numerosas atividades de divulgação e sensibilização ambiental.




No programa Morcegos da Galiza ocupa um importante espaço o Projeto Hippos, centrado nas pesquisas sobre o morcego-de-ferradura-pequeno (Rhinolophus hipposideros), um dos quirópteros mais ameaçados da Europa, cujo declínio parece dever-se principalmente à  transformação dos habitats, o uso generalizado de pesticidas e o desaparecimento de abrigos. A espécie extinguiu-se há pouco tempo na Bélgica e na Holanda, e suas populações viram-se reduzidas na Alemanha, na Suíça e na Itália. Na Galiza é ainda uma espécie comum, largamente distribuída pelo território. Porém, a falta de dados históricos sobre a evolução das populações galegas impede de avaliar corretamente sua situação atual.

terça-feira, 4 de junho de 2013

Cova Eirós, a pegada mais profunda do homem de Neandertal na Galiza

Escavações na jazida de Cova Eirós (Foto: GEPN / IPHES)

No verão boreal de 2008 foi descoberto no sítio paleolítico de Cova Eirós (no concelho de Triacastela, perto do Caminho de Santiago) o rasto mais importante do homem de Neandertal conhecido até agora na Galiza. Não é esta a primeira jazida do Paleolítico Médio achada no noroeste da Península Ibérica. Anteriormente já foram descobertas algumas indústrias líticas desse período nos concelhos de Cortegada, Toén e Monforte de Lemos. Porém, Cova Eirós apresenta um interesse científico muito maior do que esses outros locais. É a única jazida neandertal galega situada em uma caverna cárstica e contém não só um grande número de artefatos de pedra de várias épocas, como também muitos fósseis de animais e outros restos orgânicos que podem fornecer abundantes informações sobre a tecnologia, os métodos de aprovisionamento e as mudanças climáticas e ambientais da pré-história remota. Também é o único sítio paleolítico do noroeste ibérico onde se conservam pegadas de ocupações dos neandertais e do Homo sapiens moderno, o qual permite comparar as estratégias de sobrevivência e os estilos de vida dessas duas espécies humanas em um mesmo território.

Recriação dos neandertais de Cova Eirós por Xurxo Constela
Em escavações sucessivas realizadas desde então na caverna —no quadro do projeto Ocupações humanas durante o Pleistoceno da bacia média do Minho, em que  colaboram pesquisadores das universidades de Santiago de Compostela e Tarragona— apareceram dois níveis arqueológicos correspondentes a duas épocas diferentes do  Paleolítico Médio, que foram datados com a técnica da termoluminescência do quartzo. Um desses níveis tem entre 84.000 e 87.000 anos. O outro nível, mais profundo, foi datado de 118.000 anos, o que o coloca entre os mais antigos assentamentos do homem de Neandertal registados no norte da península, embora seja muito mais recente do que o da caverna de Letzetxiki, no País Basco, cuja antiguidade remonta a cerca de 300.000 anos.

Ponta de quartzito de tipo Levallois (Foto: GEPN / IPHES)
Nestes dois níveis arqueológicos foram encontrados numerosos artefatos de tecnologia musteriense, a mais caraterística do homem de Neandertal. Um estudo sobre as indústrias do nível mais recente, publicado em 2011 na revista Trabajos de Prehistoria, identificou pontas de projétil utilizadas como armas de caça e diferentes tipos de ferramentas empregadas para despedaçar  animais, cortar e talhar madeira e preparar peles secas para a confecção de vestimentas. As ferramentas do nível mais antigo têm uma feição mais tosca e entre elas há um número muito menor de peças elaboradas com as técnicas Levallois e discoidal, as mais sofisticadas que desenvolveram os neandertais. Os materiais também são de qualidade inferior, com menos presença de quartzitos de granulação fina e abundância de peças grossas de quartzo. Segundo os arqueólogos, isso pode indicar um nível tecnológico menos desenvolvido, mas também pode ser devido a que os grupos que fabricaram tais ferramentas ocuparam a caverna durante períodos mais curtos, gastando menos tempo em procurar materiais de boa qualidade e em fabricar utensílios líticos. Os ocupantes do nível mais recente, pelo contrário, teriam morado no abrigo por longos períodos, seguindo uma estratégia de sobrevivência em longo prazo e dedicando mais tempo à busca de matérias-primas e ao fabrico de utensílios.

Lasca de quartzo de Cova Eirós (Foto: Alberto López - La Voz de Galicia)
Um traço que diferencia as indústrias de Cova Eirós de outros assentamentos neandertais da vizinha Cordilheira Cantábrica é o uso freqüente de quartzo para produzir ferramentas líticas. Nos depósitos da área cantábrica é muito menos comum encontrar peças feitas com essa matéria-prima, mais difícil de talhar do que o sílex e o quartzito, pois o quartzo quebra-se de um modo mais irregular. O uso deste material indica uma adaptação às condições ambientais da região, onde abunda o quartzo, enquanto o sílex não é encontrado de forma natural. Essa particularidade técnica também tem sido observada em certos assentamentos neandertais da região francesa de Midi-Pirineus, onde escasseia o sílex e onde o quartzo foi frequentemente utilizado no fabrico de ferramentas de pedra.
  Nos níveis arqueológicos do Paleolítico Médio de Cova Eirós, juntamente com uma grande quantidade de ossos de animais de várias espécies, apareceram restos carbonizados de materiais vegetais. Os arqueólogos tentam atualmente averiguar se esses resíduos orgânicos são vestígios de fogueiras.

Pingente gravetiano de Cova Eirós (Foto: GEPN / IPHES)
Em Cova Eirós descobriram-se também importantes vestígios de ocupações do Paleolítico Superior. Entre eles figuram as primeiras mostras de indústrias da cultura aurignaciana registadas na Galiza. Nas escavações realizadas em 2009 apareceu o objeto de adorno mais antigo conhecido até hoje no noroeste ibérico. Trata-se de um colmilho de um carnívoro de pequeno porte —provavelmente uma raposa-vermelha— talhado e perfurado para servir como pingente. As datações com carbono-14 atribuíram uma antiguidade de 26.000 anos a esta peça, enquadrada na cultura gravetiana,  assim como outros artefatos descobertos no mesmo nível. Estas são também as primeiras indústrias desse período cultural encontradas na Galiza. A cultura gravetense desenvolveu-se durante uma das fases mais frias da última glaciação. A caverna fica a uma altura de 780 metros acima do nível do mar, perto do límite das geleiras que cobriam nessa época as zonas mais altas das serras orientais galegas. O achado indica que, mesmo nesse periodo de frio extremo, a região ofereceu umas condições ambientais suportáveis para os grupos humanos. Até aí, a ausência de jazidas dessa época fizera supor que o território galego ficara na altura totalmente desabitado.

Uma das pinturas rupestres achadas na galeria interior (Foto: GEPN / IPHES)
Em agosto de 2012, aliás, foi dado a conhecer o achado em Cova Eirós das primeiras mostras de arte parietal paleolítico descobertas na Galiza, um conjunto de pinturas e gravuras localizado em uma galeria interior da caverna. Segundo as estimações dos pesquisadores, algumas dessas manifestações artísticas poderiam situar-se entre os períodos Gravetense e Solutrense —com uma antiguidade aproximada de entre 25.000 e 20.000 anos—, enquanto as outras datariam do período Magdaleniano e poderiam ter entre 15.000 e 10.000 anos.

Escavações na galeria exterior (Foto: Alberto López - La Voz de Galicia)
 Em conjunto, a jazida de Cova Eirós contem a sequência mais completa de assentamentos paleolíticos de diferentes épocas  documentada até agora no noroeste da penísula. Os arqueólogos supõem que a caverna pode conservar também testemunhos de épocas anteriores ao homem de Neandertal. Uma sondagem com georradar indicou que os sedimentos que conformam o solo da cavidade têm uma profundidade de cerca de três metros. As escavaçoes só atingiram até à data uma profundidade de metro e meio e não se sabe ainda o que pode haver nos níveis mais profundos do subsolo. Na atualidade está em processo de produção o primeiro documentário sobre os achados arqueológicos realizados nesta caverna.