segunda-feira, 1 de abril de 2013

Sinclinal da Serra do Courel, um monumento geológico de 305 milhões de anos na Galiza


O sinclinal visto da estrada de Quiroga a Folgoso (Foto Alberto López)
A Serra do Courel, um dos espaços naturais mais importantes da Galiza (embora com graves problemas de conservação), possui um património geológico de excecional interesse. Neste território montanhoso de pouco mais de 21.000 hetáreas de extensão, pertencente às serras orientais da Galiza, concentra-se a terça parte das paragens galegas incluídas na lista Global Geosites, um inventário de locais geológicos de relevância mundial elaborado pela União Internacional das Ciências Geológicas. Dentro deste património ocupa um lugar proeminente o sinclinal do Courel, também chamado sinclinal de Campodola-Leixazós. 

A Serra do Courel no mapa de Domingo Fontán (1845)
   O sinclinal do Courel figura entre os grandes monumentos geológicos da Península Ibérica, mas não foi reconhecido como tal até tempos recentes. Em 1983, o Instituto Geológico e Mineiro de Espanha promoveu a sua classificação como ponto de interesse geológico internacional e em maio de 2012 a Junta da Galiza aprovou a sua declaração como monumento natural. Constitui um exemplo típico do que se conhece como dobra deitada ou recumbente. É uma dobra cuja concavidade esteve inicialmente voltada para cima mas que por efeito das forças tectônicas se foi inclinando até adotar uma posição mais ou menos horizontal.
 
Vista da dobra no miradouro de Campodola (Foto Alberto López)
A estrutura geológica emerge entre os quilómetros 7 e 28 da estrada LU-651, do norte da vila de  Quiroga até a aldeia de Ferreirós de Abaixo, no concelho de Folgoso do Courel. A seção mais espetacular da dobra acha-se à altura do quilómetro 9 da dita estrada, no vale do rio Ferreirinho (em território do concelho de Quiroga), sobranceando as aldeias de Campodola e Leixazós. Nesse local encontra-se a charneira, o ponto de máxima curvatura da dobra. A erosão cortou longitudinalmente o cordão montanhoso e deixou ao descoberto a estrutura interna do sinclinal, que se enxerga aqui con uma precisão incomum. Os flancos ou metades paralelas da estrutura estendem-se para o norte ao longo de entre dez e doze quilómetros.  

Sinclinal do Courel e anticlinal do Piornal (Univ. de Oviedo)
   Por cima desta formação existiu uma outra dobra de similar tamanho, orientada em direção inversa: o anticlinal do Piornal, cujo flanco superior foi arrasado quase completamente pela erosão, mas do qual ficam pegadas ao sul desta paragem, na comarca de Valdeorras. Em realidade, o sinclinal do Courel é apenas a porção  mais visível de uma grande estrutura de mais de cem quilômetros de longitude que chega até mais a leste do alto do Morredero, nos Montes Aquilanos (na província de Leão, já fora da Galiza).

História geológica da Galiza (Museu de Geologia de Quiroga)
Uma longa investigação realizada em tempos recentes por geólogos e matemáticos do grupo  de análise de dobras geológicas da Universidade de Oviedo indica que o sinclinal do Courel se formou no período Carbonífero, há entre 324 e 305 milhões de anos. Este processo desenvolveu-se durante a primeira fase da orogenia varisca ou hercínica e desde então o sinclinal permaneceu praticamente inalterado na mesma posição em que se encontra hoje. Os movimentos da crusta terrestre que originaram a grande dobra estão associados à colisão de duas antigas massas continentais, Gondwana e Euramérica (ou Laurussia), que acabariam por se unir para formar o supercontinente Pangeia. Foi nessa época que emergeu do oceano o Maciço Hespérico, o território mais antigo da Península Ibérica. Por esta razão, o geólogo Juan Ramón Vidal Romaní tem proposto que o sinclinal seja considerado como um testemunho genuíno do nascimento da Galiza.
   
Estratos rochosos do sinclinal (Foto Alberto López)
As diferentes camadas de rochas que constituem a dobra na sua parte mais visível (ardósia e quartzito, mais exatamente quartzito armoricano) formaram-se em épocas mais remotas, em diversas fases do Ordoviciano. Os quartzitos datam do Ordoviciano Inferior (488-478 milhões de anos) e as ardósias, do Ordoviciano Médio (471-468 milhões de anos). A grande dureza dos quartzitos não impediu que os movimentos tectônicos comprimissem e dobrassem os estratos rochosos como se fossem pacotes de plasticina.
  
Formação de dobras

A enorme pressão que sofreram as massas rochosas nesse lento processo fez com que aquecessem a mais de 300 graus centígrados, adquirindo uma considerável elasticidade. As rochas que conformam a zona norte da dobra pertencem a outros períodos geológicos mais recentes: o Siluriano (443-416 milhões de anos) e o Devoniano (416-359 milhões de anos). Estudos realizados pelo geólogo José Ramón Martínez Catalán e outros investigadores sugirem que a formação destas dobras foi condicionada pela existência de falhas que estiveram ativas nesta parte da crusta terrestre durante o Ordoviciano.


Conodonte do período Siluriano achado no sinclinal
  As rochas que conformam o sinclinal, aliás, contêm rastos biológicos da Era Paleozoica. O geólogo e paleontólogo Juan Carlos Gutiérrez-Marco descobriu na zona fósseis de conodontes e outras espécies do Siluriano, algumas delas não identificadas até então. Trata-se obviamente de fauna marinha, a única existente nessa era geológica, quando os terrenos que hoje constituem as montanhas do leste da Galiza faziam parte da plataforma continental de Gondwana, no hemisfério sul.

Bosquejo do sinclinal (margem direita do rio Ferreirinho) realizado por Matte
Os primeiros cientistas que descreveram esta formação foram o alemão  Wynfrith Riemer e o francês Philippe Matte, quem foi assesorado e apoiado nas suas pesquisas pelo geólogo galego Isidro Parga Pondal.  Matte incluiu alguns desenhos do sinclinal em um estudo publicado em 1968 e comparou esta estrutura con as dobras deitadas dos Alpes Valaisanos, no sul da Suíça. Formações deste tipo vêem-se também na cordilheira dos Pireneus e em outras partes do mundo, mas muito raramente apresentan um tamanho comparável ao do sinclinal do Courel, podendo ao mesmo tempo ser percebidas com tanta nitidez.

Área declarada monumento natural

 
Zona de proteção
A área declarada monumento natural, de arredor de noventa hetáreas de extensão, situa-se na margem esquerda do rio Ferreirinho, em uma zona conhecida como Penas das Franzas e Pena Falcoeira. Mas a formação geológica também se avista na margem esquerda do vale fluvial, no monte chamado Penas dos Conventos (ou Recoxois), por onde corre a estrada de Quiroga a Folgoso do Courel. O fato de a zona de proteção não se ter estendido a essa parte da dobra (que não é visível da estrada) tem provocado alguns protestos públicos.





Miradouro geológico de Campodola (Foto Alberto López)
Miradouro de Campodola
Para facilitar a observação do sinclinal e para o valorizar como atração turística e como recurso educacional, a câmara municipal de Quiroga construiu em 2004 un miradouro à altura do quilómetro 9,5 da estrada LU-651, perto de um desvio que leva à aldeia de Campodola. É o primeiro miradouro da Galiza construído expressamente para observar um monumento geológico e permite contemplar a dobra em uma vista panorâmica de mais de dois quilómetros de extensão. As rochas de tons  mais claros são quartzitos. Os estratos mais escuros e cobertos de vegetação são consituídos de arenitos e ardósias. O miradouro foi construído com arenitos e quartzitos do período Cambriano. 

Museu geológico
O museu municipal de geologia e paleontologia de Quiroga, inaugurado en 2011, reserva uma das suas seções ao sinclinal do Courel. Outras salas do museu dedicam-se às pegadas geológicas da última glaciação, à fauna do Quaternário, aos povoamentos paleolíticos e à atividade mineira desenvolvida neste território desde os tempos do Império Romano.

Rota de pedestrianismo
Uma rota pedestre que une as aldeias de Leixazós, Campodola e Campos de Vila corre mesmo ao pé da parte mais espetacular da grande dobra.

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