terça-feira, 23 de abril de 2013

«Flores e lenha», narrativa chinesa em língua galega

Capa da edição original de Flores e lenha

Temos que aceitar que a China é um mundo diferente, e cada dia sabe melhor que assim é quem dela se ocupa, mas não temos por que renunciar a perguntar-lhe o que à Humanidade lhe preocupa.

Com esta premissa, o escritor e tradutor Fernando Pérez-Barreiro Nolla deu ao prelo em 1982 o volume Flores e lenha, a primeira antologia de narrativa contemporânea chinesa publicada em língua galega. O livro recolhe contos de sete autores do século XX traduzidos diretamente do chinês: Lu Xun (鲁迅), Ba Jin (巴金), Lao She (舒庆春), Zhao Shuli (赵树理), Hao Ran (浩然 ), Lu Xinhua (吕新华) e Lu Jun Chao (陆俊超). O título da coletânea foi tirado de uma frase escrita por Mao Zedong em 1942: «A necessidade primordial não são mais flores no brocado mas lenha em meio da nevada». A obra não pretende apenas mostrar um panorama da literatura chinesa moderna. «A seleção dos autores responde a uma combinação de mérito literário e representatividade», diz a esse respeito o antólogo e tradutor. Os textos também foram escolhidos com o intuito de apresentar uma visão plural da  história recente da China através dos olhos dos seus escritores.


Cada uma das narrativas reunidas em Flores e lenha é precedida de um prefácio em que o autor da antologia apresenta uma breve biografia dos respetivos autores, uma introdução geral à sua obra e algumas considerações sobre o seu papel na literatura chinesa e a sua relação com os acontecimentos sociais e políticos da época em que viveram. O período histórico refletido neste conjunto de textos vai dos últimos anos do Império Chinês até o governo de Hua Guofeng, isto é, a própria época em que foi editada a antologia. O livro inclúi o célebre conto Cicatrizes, publicado por Lu Xinhua em 1978, que deu nome à chamada literatura das cicatrizes (伤痕文学), um gênero de ficção caraterizado por criticar abertamente as atrocidades cometidas durante a então muito recente Revolução Cultural. A antologia encerra-se com a que possivelmente é a primeira tradução para uma língua ocidental do conto de Lu Jun Chao Encontro em Antuérpia, aparecido em 1981.

Fernando Pérez-Barreiro Nolla (1931-2010)

 Fernando Pérez-Barreiro Nolla, nascido em Ferrol em 1931 e falecido em Lancaster (Reino Unido) em 2010, residiu durante grande parte da sua vida em Londres, onde trabalhou para os serviços exteriores da BBC. Conhecedor de uma dúzia de idiomas, tradutor de Shakespeare e Lewis Carroll para o galego, foi por um tempo o único cidadão espanhol com estudos superiores de língua e literatura chinesas. Cinco anos antes do seu passamento publicou Breviário do pensamento clássico chinês, uma antologia de textos de várias épocas a cuja introdução pertencem estas palavras:

Falou-se muito, há alguns anos, dos «valores confucianos» para explicar o êxito das práticas capitalistas dos países, então tão louvados, a que se chamavam «tigres asiáticos». Posso imaginar a surpresa dos pensadores chineses que encetaram os caminhos da modernização e do progresso por fins do século XIX e inícios do XX, se ouvissem defender como modernos e progressistas esses valores, alvo de suas demolidoras críticas. Libertar-se da herança confuciana era para eles o sine qua non do avanço, e mesmo da sobrevivência. Pode ser que exagerassem, mas o que eu quero salientar aqui é que eles reagiam contra a versão oficial da cultura chinesa. Os que hoje gabam os valores confucianos aceitam, no entanto, a versão de que esses valores são consubstanciais com a cultura do Império do Centro.


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